terça-feira, 20 de novembro de 2012

A tempestade


Eu encarava aquele oceano sem fim, tão conhecido por mim. Éramos velhos amigos. Aquele lugar, meu lugar, repleto de mágoas passadas e feridas curadas. A areia grudava em meus pés, mas não me incomodava , o vento batia em meu rosto e me trazia um tantinho de calma, o som das ondas batendo na areia era como música para meus ouvidos e o céu, aquele céu cinza e escuro que tinha uma ameaça de tempestade escrita em seu rosto traduzia meus sentimentos. Eu estava cinza e escura com uma ameaça de tempestade escrita em meu rosto. Eu me sentia assim. Eu sempre me sentia desse jeito quando estava aqui. Vir para essa praia, olhar esse mar era o meu jeito de lidar com as coisas, porém nada disso estava me ajudando. Pela primeira vez, visitar esse lugar não me ajudava. Eu só conseguia pensar em o quanto era fraca.
Alecrim. Era esse cheiro que me fazia acordar de noite. Cheiro de alecrim. Cheiro dele. Cheiro do mar. Era tudo a mesma coisa e tudo tão diferente. Por um segundo me perguntei se estava ficando louca. A loucura aparecia de repente ou se estabelecia com o passar do tempo? Talvez eu realmente estivesse louca, talvez todos estivéssemos loucos, talvez a loucura seja uma coisa normal. Talvez ser normal é a mesma coisa que ser louco. Talvez ser fraca seja a mesma coisa que ser forte. Branco é a mesma coisa que preto e vida é a mesma coisa que a morte. Quanto mais eu pensava, quanto mais certeza eu tinha, mais dúvidas apareciam. Desisti. Eu não queria ter uma revelação sobre qual era o verdadeiro sentido da vida nos meus últimos minutos. Eu não queria nada. Eu queria tudo. Um dia ele me disse que eu era uma pessoa muito contraditória. Lembro que bati em seu ombro, soltei uma risada e neguei. Agora eu percebo que ele realmente me conhecia. Eu era contraditória. Eu era indecisa. E nada disso importava no momento.
O mar permanecia com a sua fúria contida e o céu esperava alguma coisa para começar a jorrar toda aquela água presa nas nuvens negras. Observei o horizonte e o vi. Eu sabia que não era real, que sua forma física não estava ali. Mas não pude me conter, eu tinha que tocá-lo. Cada passo dado me afastava mais e mais dele. Aquilo me desconcertava, me confundia, mas minhas pernas estavam em piloto automático e eu não parava de andar em sua direção, de encontro ao mar. O céu trovejou. Ele foi ficando cada vez mais longe e o desespero subiu em minha garganta. Por um momento pensei que iria vomitar. Comecei a correr e cai de cabeça no oceano frio. Tanto mar, tanto mar. A chuva veio com todas aquelas gotas caindo em minha cabeça. Um arrepio passou pelo meu corpo quando a água gelada tocou minha pele. Tudo estava escuro e eu não conseguia vê-lo. A chuva, que me atingiu tão de repente, destruiu minha ilusão de que ele estava ali. Mas eu continuei nadando, continuei me aprofundando naquele mar infinito. Passaram-se horas. A tempestade não parava e eu só nadava. Até que não agüentei mais. Meus braços e pernas descansaram e eu deixei meu corpo ir, ir para o fundo do mar. Quanto mais eu afundava, o fio que me ligava à vida ficava mais fraco. Lembrei de seu sorriso em meu último suspiro. Não eram mais léguas que nos separavam e sim a morte. Tanto mar, tanto mar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Luzes da Cidade

O som do alarme tocando desesperadamente para me acordar. O som do trânsito já intenso na rua. O som do meu corpo se levantando da cama e indo para mais um dia nessa minha rotina entediante. Era essa a minha vida.
Já desperto, direcionei-me ao banheiro. Fiz a barba porque era quarta-feira, escovei os dentes porque era de manhã. Tomei banho, apesar de já ter feito isso na noite do dia anterior. Fiz tudo o que as pessoas esperam que eu faça porque elas mesmas fazem e esperam que você seja igual a elas. Agrado mais aos outros do que a mim próprio.
Saí de casa correndo, não era um ambiente acolhedor. Havia muita solidão ali. Há solidão em todos os lugares se você não estiver disposto a espantá-la. Fui correndo ao trabalho, mesmo estando adiantado. Estou sempre correndo para todos os lugares, mesmo quando não preciso. Esqueci a sensação de andar apreciando o que me rodeia.
Cheguei ao trabalho. Adiantado. O escritório estava vazio e as quinhentas salas iguais eram depressivas. Porém o desespero superava a depressão quando o escritório enchia. Tantas pessoas presas, tantos sonhos trancados e esquecidos. Fui tomar um café. Sozinho. Sentei em minha cadeira, em uma dessas quinhentas salas iguais. Eu era só mais um deles, com todos os meus sonhos trancados e esquecidos, e a solidão como companheira.
Trabalho, trabalho, trabalho. Digitar mais e mais documentos. Um café quente ali, um fervendo acolá. Horário do almoço. Saí correndo, comi correndo e voltei correndo. Mais café, mais trabalho. Uma pontada de solidão ali, que foi espantada pelo som de meus dedos batendo no teclado. Escritório esvaziando e continuei digitando. Oito horas, hora de ir embora. Saí correndo, com pressa. Como se estivesse atrasado para um encontro. Talvez tivesse, um encontro com comida congelada, às luzes da cidade vistas pela janela e a solidão. Comi e fui ao banheiro. Necessidades feitas, dentes escovados, dormir. Esquecer por alguns momentos toda essa solidão, deixar minha mente sonhar por algum tempo antes que eu tranque e esqueça novamente. Dormi.